Marraquexe Aqui Tão Perto
Ruelas e becos atravancados de lojas com tudo o que se possa imaginar estar à venda, com tudo o que o ser humano precisa e não precisa, com souvenirs made in Marrocos ou made in China? Viemos a saber, mais tarde, dito por um funcionário do Centro de Artesanato de Ouarzazate que, nos Souk de Marrocos, muitos dos objectos considerados tradicionais, são fabricados na China. Numa aventura pelo Souk, quase espremidos pelas dezenas de motorizadas que nos serpenteavam, pelos transeuntes locais que caminhavam sem vacilar, pelo convite ao regateio numa compra que não nos apetecia fazer, eram muitos os motivos que captavam a nossa atenção. Mas ela foi, sem dúvida, para a beleza das portas minuciosamente trabalhadas em metal ou madeira, umas pequenas obras de arte escondidas por entre as lojas da tralha comercial e, quando abertas, nos ofereceram uma visão deslumbrante da arquitectura dos pátios interiores, ricos de azulejos e arabescos de gesso que decoram colunas e pórticos numa estética comum a toda a arte islâmica.
De
vista regalada sim, era caso para isso, mas os nossos sentidos também estavam
bem despertos pelos odores que pairavam
no ar, tão diferentes do que estávamos habituados. De comida, de fruta fresca, dos orégãos e de
menta que de tão intensos e agradáveis nos apeteceu trazer para casa. E ainda
tínhamos o cheiro a metal trabalhado pelos artesãos, o mofo do casario antigo,
o monóxido de carbono das benditas motos, o suor de gente que trabalha em
climas muito quentes, o chão molhado para acalmar o pó, o cheiro a perfume de turistas
acabadinhos de chegar. Por fim, entrámos na Praça Jemaa el-Fna. Julgávamos já ter visto de tudo à venda
mas estávamos enganados. Ali mesmo à nossa frente, uma banca com dentes soltos e
outros alinhados em próteses de vários tamanhos, cobertos de
pó, à espera de clientes. Sorrimos. Estávamos em Marraquexe. A praça é o centro de tudo. Há
música tradicional, dança, faquires, músicos, encantadores de serpentes
e muito mais, mas também se vendem comida e bebidas, vestuário. É à noite que a Praça Jemaa el-Fna fica
ao rubro e por isso as famílias marroquinas vestem a sua melhor roupa, passeiam
e fazem as suas compras.
A
cidade rosa oferece-nos algumas preciosidades patrimoniais entre elas os
Tombeaux Saadiens, a mesquita
Koutoubia ou o Palácio da Bahia, onde grupos de turistas japoneses de máquina
fotográfica em punho, pareciam querer fazer concorrência aos marroquinos e não nos darem um minuto
de sossego. Na realidade não fomos a Marraquexe para ficar
sossegados e o que nos apaixonou nesta cidade foi, sem dúvida, a sua imensa
actividade na rua. Se nas ruelas antigas e estreitas era preciso esgueirarmo-nos
por entre o vaivém de motos e transeuntes, fora do Souk, no automóvel alugado,
foi exactamente a mesma coisa. Carros, motos,
carroças puxadas por burros, todos
se cruzavam desordenadamente à nossa volta, numa dança alucinante na qual os peões também deram um ar de sua graça. Não
foram os encantadores de serpentes da Praça Jemaa el-Fna que produziram sobre
nós o encantamento inesperado. Foi esta cidade irrequieta onde a vida
acontece numa exposição diária espontânea e simultaneamente
calculada para o turista ver.