sábado, 17 de junho de 2017


Marraquexe  Aqui  Tão Perto


 Em pouco mais de hora e meia aterrámos na bela cidade de Marraquexe. Longe do norte marroquino mais mediterrânico, a cidade rosa e ocre onde a vida parece acontecer de forma caótica, revelou-se surpreendente.
Ruelas e becos atravancados de lojas com tudo o que se possa imaginar estar à venda, com tudo o que o ser humano precisa e não precisa, com souvenirs made in Marrocos ou made in China? Viemos a saber, mais tarde, dito por um funcionário do Centro de Artesanato de Ouarzazate que, nos Souk de Marrocos, muitos dos objectos considerados tradicionais, são fabricados na China. Numa aventura pelo Souk, quase espremidos pelas dezenas de motorizadas que nos serpenteavam, pelos transeuntes locais que caminhavam sem vacilar, pelo convite ao regateio numa compra que não nos apetecia fazer, eram muitos os motivos que captavam a nossa atenção. Mas ela foi, sem dúvida, para a beleza das portas minuciosamente trabalhadas em metal ou madeira, umas pequenas obras de arte escondidas por entre as lojas  da tralha comercial e, quando abertas, nos ofereceram uma visão deslumbrante da arquitectura dos pátios interiores, ricos de azulejos e arabescos de gesso que decoram colunas e pórticos numa estética comum a toda a arte islâmica.

De vista regalada sim, era caso para isso, mas os nossos sentidos também estavam bem  despertos pelos odores que pairavam no ar, tão diferentes do que estávamos habituados.  De comida, de fruta fresca, dos orégãos e de menta que de tão intensos e agradáveis nos apeteceu trazer para casa. E ainda tínhamos o cheiro a metal trabalhado pelos artesãos, o mofo do casario antigo, o monóxido de carbono das benditas motos, o suor de gente que trabalha em climas muito quentes, o chão molhado para acalmar o pó, o cheiro a perfume de turistas acabadinhos de chegar. Por fim, entrámos na Praça Jemaa el-Fna.  Julgávamos já ter visto de tudo à venda mas estávamos enganados. Ali mesmo à nossa frente, uma banca com dentes soltos e outros alinhados em próteses de vários tamanhos, cobertos de pó, à espera de clientes. Sorrimos. Estávamos em Marraquexe. A praça é o centro de tudo. Há música tradicional,  dança,  faquires, músicos, encantadores de serpentes e muito mais, mas também se vendem comida e bebidas, vestuário. É à  noite que a Praça Jemaa el-Fna fica ao rubro e por isso as famílias marroquinas vestem a sua melhor roupa, passeiam e fazem as suas compras.

A cidade rosa oferece-nos algumas preciosidades patrimoniais entre elas os Tombeaux  Saadiens, a mesquita Koutoubia ou o Palácio da Bahia, onde grupos de turistas japoneses de máquina fotográfica em punho, pareciam querer fazer concorrência aos marroquinos e não nos darem um minuto de sossego. Na realidade não fomos a Marraquexe para ficar sossegados e o que nos apaixonou nesta cidade foi, sem dúvida, a sua imensa actividade na rua. Se nas ruelas antigas e estreitas era preciso esgueirarmo-nos por entre o vaivém de motos e transeuntes, fora do Souk, no automóvel alugado, foi exactamente a mesma coisa. Carros, motos,  carroças puxadas por burros,  todos se cruzavam desordenadamente à nossa volta, numa dança alucinante na qual os peões também deram um ar de sua graça. Não foram os encantadores  de serpentes da Praça Jemaa el-Fna que produziram sobre nós o encantamento inesperado. Foi esta cidade irrequieta onde a vida acontece numa exposição diária espontânea e simultaneamente calculada para o turista ver.