sábado, 4 de junho de 2016

MAURÍCIAS, UMAS FÉRIAS REPOUSANTES

Flic-en-Flac
Era domingo, ainda a manhã se espreguiçava lentamente enquanto eu, pouco liberta do último sono, ia observando pela janela a passarada que rodopiava ao redor dos canteiros da rua. Aproveitavam uma suave temperatura matinal e os manjares que os arbustos, em estado primaveril, lhes ofereciam. Enlevada com os seus cantos, rapidamente o meu pensamento voou e me arrastou para a recordação da viagem que fizemos às Maurícias. Não se pode dizer que foi por acaso, já que este meu estado de tranquilidade ao observar os pardalitos e os melros, foi semelhante ao que ali senti, enquanto estivemos na praia Flic-en-Flac. Por lá, logo pela manhã, o mar tranquilo e de temperatura deliciosa, 25°, convidava-me ao mergulho e a umas boas braçadas, para logo me estender ao sol junto ao jardim do resort. Uma temperatura do ar idêntica à do mar, uma vez que fomos em Julho, na estação mais fresca e seca, criaram um ambiente calmo, sem o calor  exasperante, melhor também para as aves que por ali andavam. Era na vegetação exótica do jardim estendido até às areias da praia que pássaros até então para mim desconhecidos, se mostravam exuberantemente belos. Nunca tinha tido oportunidade de me encontrar numa praia onde as aves se abeiravam de mim completamente despreocupadas. Não podia ser melhor para recuperar energias. Porém, nos primeiros dias de veraneio, andei um pouco apreensiva porque descobri que repartíamos o apartamento com várias lagartixas de cores vivas em vermelhos e amarelos e que, durante a noite, faziam um ruído muito estranho quando se sentiam ameaçadas. Resolvemos deixá-las   em paz e acabei por me habituar à sua companhia.

Na opção de passarmos um curto período de férias nas Ilhas Maurícias, pesou o facto de sentirmos necessidade de férias repousantes, num hotel do tipo tudo incluído, para colocar a leitura em dia, dar uns belos mergulhos e desfrutar de uma praia paradisíaca com uma paisagem de encher o olho. Não encontrámos uma floresta densa a espraiar-se pelas areias como imaginara, mas uma praia igualmente bela, tendo como cenário uma pequena montanha em verde viçoso cuja imagem se reflectia serenamente nas águas mornas e calmas da baía. A paisagem da ilha, pelo menos nos poucos lugares visitados, estava demasiado humanizada com o cultivo de cana-de-açúcar que substituiu a flora nativa e, também, com os vários empreendimentos hoteleiros que servem o turismo de grande impacto na economia local. Julgo, no entanto, que perdemos, algures, pontos de interesse e paisagens um pouco mais exuberantes. Os dias iniciais permitiram-nos repousar e recuperar de uma viagem de treze horas, saborear a belíssima gastronomia multicultural, penso que lhe poderei chamar assim, pois é uma combinação perfeita da cozinha crioula, francesa, indiana e também chinesa. Foi o resultado da tutela a que o território esteve sujeito ao qual se juntou a forte influência da imigração indiana e alguma chinesa. Estas culturas vieram acrescentar um toque especial à confecção da comida dotando-a de sabores exóticos, mas equilibrados para quem não gostar de comida demasiado picante.

Monte Le Morne
Viajar num sistema de tudo incluído obriga-nos a ficar fixos num hotel uma vez que as refeições estão pagas e qualquer saída para fora acrescenta despesas, contudo perde-se o contacto com os locais o que é pouco interessante. Tínhamos que ir a algum lado! Ficou decidido! Iríamos até um local mais a sul, verificar se haveria um bom spot para prática de windsurf. O Luís andava entusiasmado com a modalidade e tinha lido que havia um perto de Le Morne. Apanhámos um autocarro muito velho como há muito não se vê  em Portugal, com um barulho de latas a bater por todo o lado e rodeados de uma população  miscigenada. Negros, mulatos, indianos.  Sentimo-nos  contrastantes e isolados na nossa pele branca,  mas todos os nossos companheiros de viagem não deram a isso a menor importância. Com indicação do cobrador a quem tínhamos solicitado previamente que nos indicasse o local onde deveríamos  sair,  já  tínhamos abandonado a estrada principal cerca de dois ou três quilómetros antes, lá fomos dar seguimento ao propósito desta nossa viagem. Ninguém  mais saiu além de nós os três. Só no fim do dia, de regresso ao hotel, percebemos que o autocarro se tinha desviado especialmente para nos largar. Fiquei com pena de não ter agradecido a gentileza que veio confirmar a já observada hospitalidade do povo maurício. Chegados à zona esperada, deparámo-nos com uma montanha de forma quase cúbica, o monte Le Morne, classificado como Património da Humanidade pela UNESCO. Numa região praticamente plana, esta montanha eleva-se majestosamente para depois se debruçar, quase a pique, sobre as praias qual sentinela vigilante contra piratas há muito desaparecidos. Na realidade a montanha serviu de refúgio a escravos foragidos que se esconderam nas suas grutas e, por isso, tornou-se um símbolo da luta pela liberdade. A praia procurada apresentava um mar demasiado revolto, com ventos agressivos e os windsurfistas estavam em terra. Nada a fazer! Não havendo muito mais para ver por ali além do esplêndido Le Morne, iniciámos o regresso e fomos apanhar novamente o autocarro. Para  isso foi preciso caminhar ainda dois ou três quilómetros a pé.
A viagem em transporte público, neste dia, revelou-se bastante interessante pois permitiu-nos observar comportamentos e assistir a pequenas peripécias. Lembro-me do episódio do negro de estatura muito baixa e, estranhamente, de traços asiáticos, bêbado, que criou algum conflito com o colega de banco onde iam sentados. A zaragata rapidamente foi desfeita devido à perícia e civismo de um passageiro e do próprio cobrador de bilhetes. Fiquei bem impressionada com o modo como o fizeram. Creio que em Portugal não veria o respeito com que o negro foi tratado. Já quase no fim do nosso percurso, entrou uma família,  pai e  mãe  com dois filhos em idades entre os seis e oito  anos. De traje indiano e com ar domingueiro, se é  que aqui fica bem dizê-lo uma vez que o conceito não  se aplica a esta cultura, o que é  facto é  que iam de roupas engomadas, penteados com brilhantina e os rostos completamente cobertos por uma pasta branca. Certamente iriam para alguma cerimónia. Exalavam um odor muito forte a um patchouli qualquer que se espalhou pelo ar intensamente. Comecei a sentir a ponta da língua picar e a minha sorte foi estarmos a chegar ao local de descida. Penso que pela primeira vez cuspi para o chão de tanta saliva acumulada. O autocarro deixou-nos numa paragem da estrada principal, ainda longe da povoação e era preciso transporte para o hotel. Reparámos que não existiam ali outras paragens e muitas pessoas estavam de dedo estendido para a boleia. Fizemos o mesmo. Logo um homem ainda jovem, ex-emigrante em França como nos confidenciou, com um pequeno jipe provavelmente comprado com os dinheiritos que por lá ganhou, se prontificou a levar-nos até à porta do hotel. Não quis nada em troca mas percebi pela alegria estampada no rosto que a possibilidade de contar a sua história e também conhecer a nossa, era o suficiente. Ficou até  impressionado por sermos portugueses, da terra do Figo, segundo a sua expressão. Não estranhámos pois já era habitual, em qualquer outro país, ouvirmos esta frase e percebermos que o jogador continua a ser um ídolo.   
As férias  estavam a chegar ao fim quando apareceu na praia o Antoine. Tinha setenta anos, era negro e franzino, este pescador de pérolas que agora se dedicava à sua venda em adornos femininos. Já não  mergulhava em apneia, quem o fazia então, era o filho. Mostrou-se orgulhoso da sua profissão e trazia consigo o seu portefólio. Jornais franceses e ingleses com reportagens sobre a sua vida e ainda  muitas fotografias, demonstravam uma carreira longa. Antoine acabou por nos confessar que era português e logo disse que o seu nome verdadeiro era António, mas todos lhe chamavam Antoine.  Falava francês, mas ainda sabia algumas palavras na língua lusa. Nas ilhas Maurícias o francês e o inglês coexistem a par do crioulo de base lexical francesa.

Flic-en-Flac
Um dos atractivos turísticos das Ilhas Maurícias é, sem duvida, o famoso  pôr do sol. Observá-lo do areal  é espectáculo a não perder. Talvez tenha sido por isso que fomos surpreendidos com a realização de um casamento em plena praia na  hora em que o sol se prepara para desaparecer no horizonte. Que engraçado contraste o das roupas nupciais entre todos os veraneantes de biquínis e calções. Por esta hora, podem-se dar excelentes passeios de cavalo, tendo como cenário um céu alaranjado a pincelar as águas do mar de manchas de fogo e aguardar que a noite nos envolva completamente. Pôr do sol, excelente gastronomia, gente acolhedora e boa oferta hoteleira fazem deste país um óptimo  lugar para repor energias.
Manuela Santos