sábado, 20 de agosto de 2016

Perdida Entre Serras e Entre Rios 
Rio Vouga

De volta às belíssimas encostas verdejantes do rio Paiva, desta vez para caminhar nos Passadiços recentemente criados nas proximidades de Arouca. Amante desta região que alberga a formosa Ester, aldeia de boas recordações onde, agora, constatei com alguma tristeza que parte do pinhal sobranceiro de outrora foi substituído pelo eucalipto, consequências dos incêndios que, paulatinamente, se vão alastrando pelas nossas serras.

Rio Vouga
Tinha saído de Lisboa, manhã cedo, para subir com tranquilidade até ao norte, apreciando os campos ainda verdes e usando a A17 praticamente deserta embora fosse dia de semana. Enfim, empreendimento que não está a ser utilizado como seria de esperar. Quis o destino, a sinalética confusa ou simplesmente a distracção, que o plano inicial do trajecto fosse alterado e, sem querer, fosse atirada lá para os lados de São Pedro do Sul. Perdida entre serras e entre rios, fui forçada a procurar outra estrada que ainda não conhecia. Perdida por obra do acaso mas achada, então, nas margens do rio Vouga, segui pela estrada que o serpenteia atrevidamente em direcção ao topo da Serra da Freita. De janela do carro aberta para sentir o cheiro das plantas silvestres no seu auge, dos fetos completamente verdes debruando a estrada e alcatifando a encosta acima, apercebi-me do som de água correndo por ali perto. Encostei o carro onde foi possível e fui procurar. Ouvindo o canto melodioso das aves acompanhado pela música de fundo das águas límpidas da pequena cascata que encontrei, respirei profundamente. Acabara de assistir ao primeiro concerto destas miniférias. Seguindo por curvas e contracurvas com os meus olhos encharcados de tanto verde que a serra oferecia, cheguei finalmente a Arouca, dando-me por satisfeita com o feliz desvio forçado.
Passadiços de Arouca
Percorrer os Passadiços do Paiva recheados de subidas e descidas, de rampas e degraus, foi um excelente exercício físico e um tranquilizante para o espírito pela beleza da própria paisagem, já familiar, mas sempre deslumbrante. O rio vai galgando por cima dos pedregulhos que se vão desprendendo das vertentes graníticas e assim vai fazendo o seu caminho por estreitos e curvas orlados com vegetação. De tão estreito, na Garganta do Paiva, a margem oposta impõe-se abruptamente aos caminhantes. Quando cheguei a um dos pontos mais altos do passadiço, num pequeno miradouro quase suspenso, ela apresentava-se mesmo ali à minha frente em enormes paredes de granito, onde um riacho avançava em queda livre, para alimentar o próprio rio. De uma beleza imponente, mas transmitindo-me serenidade, fizeram-me sentir leve como se pairasse e fosse tão fácil estender a mão para a refrescar naquela água que se precipitava até que um Verão mais quente lhe corte a liberdade. O espírito estava leve mas as pernas nem por isso, um pouco pesadas até, pela subida e descida das escadas de madeira que, quase na vertical, me levaram ao ponto mais alto sem precisar de saber fazer escalada. A meio de uma sequência dessas escadas, cruzei-me com um grupo de jovens senhoras de mais ou menos setenta anos subindo-as com entusiasmo,  apesar das faces afogueadas. Senti-me esperançada: quem sabe se não voltarei a este lugar quando tiver a mesma idade?

Passadiços de Arouca
O fim da tarde aproximou-se e nada melhor como ficar alojada na serra, melhor dizendo, no pequeno hotel rural Quinta de Novais em Santa Eulália, perto de Arouca. O turismo rural de habitação, de oferta diversificada e já em número bastante razoável no norte de Portugal, foi a opção mais coerente com o passeio do dia. A caminhada da manhã nos passadiços ao longo do rio Paiva tinha sido cansativa, não é em vão que o percurso é considerado de alto grau de dificuldade e é necessário haver essa percepção por parte de cada caminhante. Da varanda da casa de granito recuperada do fundo do tempo, fiquei ali a olhar para a Serra da Freita erguendo-se tão perto dos meus olhos, repleta de castanheiros, pinheiros, azevinhos e outras árvores que os fracos conhecimentos de botânica não me permitiram identificar. Lentamente, o sol foi-se escondendo atrás da montanha enquanto os sinos de cada igreja aldeã tocavam ao desafio em notas de dó ou de sol conforme a distância e o eco que a serra me devolvia. Foi o concerto de fim de tarde!
Garganta do Paiva


Lalim
Aproveitei para alargar o conhecimento do Distrito de Viseu e parti à descoberta de pequenas aldeias. O povoamento em todo o Maciço da Gralheira é disperso. Aldeias e vilas espalham-se pelas encostas com os seus telhados avermelhados contrastando com o verde da floresta e é raro encontrar os tradicionais xistos. As casas reflectem o que se foi fazendo na arquitectura de habitação em Portugal nos últimos trinta anos. Existem em todos os estilos e para todos os gostos. Moradias que podem ser de qualquer região, sempre iguais independentemente de se localizarem no norte ou no sul. Pontualmente, aqui e acolá, avistam-se casas de paredes em granito muito bem recuperadas ou, por fim, os cubos numa arquitectura ultramoderna onde não se vislumbra sequer um telhado. Estes destacam-se bem nas encostas pelo seu próprio modelo que revela o desejo dos seus moradores de desfrutarem as belíssimas paisagens serranas, através de enormes janelas. Seguindo eu pela estrada, sempre divertida com a toponímia local e recordo topónimos não sei de onde, como Verdosa, Penso, Paraduça, e tantos outros nomes mais ou menos improváveis, cheguei, finalmente, à vila de Lalim no concelho de Lamego. Bastante pitoresca, o seu pequeno centro histórico encontra-se bem preservado e é marcado pelo maior edifício, um solar datado do Séc. XVIII e mantido sempre na mesma família até aos dias de hoje, quando esta, decidiu transformá-lo, muito bem, em turismo de habitação. É a Quinta do Terreiro onde fiquei a pernoitar num ambiente muito acolhedor. 

Em poucos passos dei a volta ao centro, apreciando todas as casas de granito completamente
preservadas, e, no largo junto ao pelourinho, mesmo à minha frente, uma jóia medieval. Uma pequena casa granítica que funcionou como cadeia e onde, nos primórdios da vila se reuniram os Homens Bons para decidirem sobre assuntos da comunidade. Esticando mais o passo, caminhei cerca de um quilómetro em busca de uma ponte romana que acabei por encontrar em muito bom estado, implantada no meio de uma paisagem idílica. Regressei à vila, apreciando os trabalhos da lavoura no pequeno vale fértil paralelo à estrada. Mesmo à entrada de Lalim, estava uma mulher, ainda nova, lavando a roupa no tanque comunitário, um hábito ancestral. Talvez por isso a autarquia tenha construído, mesmo ao lado, um tanque em granito maior e mais moderno. Bem aprazível a Vila de Lalim.