sábado, 2 de julho de 2016

Revisitar a Costa Vicentina


Repetir um percurso espectacular pela Costa Vicentina, realizado há mais ou menos vinte e cinco anos, veio despertar as minhas memórias de uma aventura  por caminhos de cabra e trilhos que serpenteavam a beira das falésias, em busca de praias selvagens. Descer a costa devagar, pernoitar aqui e acolá e encontrar praias completamente intactas como a da Bordeira, da Carrapateira e do Amado entre outras. Não  se via por ali vivalma além  de nós os dois e das espécies animais próprias da falésia com destaque, claro, para as gaivotas que nos sobrevoavam em voos rasantes. Viemos a encontrar apenas um ou outro guardador de cabras e um alemão, um solitário andarilho. Da estrada principal largávamos por caminhos de terra batida até  nos aproximarmos o mais possível das falésias e beneficiar da deslumbrante paisagem até  hoje recordada.  O nosso Fiat Uno era uma autêntica carroça de luxo. 
Cabo Sardão
De  Monte Clérigo a Arrifana 
Desta vez, fomos  encontrar estradas alcatroadas, arcaicas, mas mesmo assim melhor caminho que o que tínhamos feito na época. Se há  estradas, há  mais gente. Se há  mais gente, há  mais construção, logo já não existem praias selvagens. Contudo, as moradias e aldeamentos  ainda não  sufocam a paisagem,  naquelas que eram as praias e falésias  mais bonitas que ate à data tínhamos visitado. O Carvalhal, Amoreira e Monte Clérigo apresentam aglomerados residenciais de veraneio, tal como a praia do Amado que até tem uma escola de surf e bastantes surfistas. Voltar a caminhar no topo da falésia, agora por curtíssimos trilhos, no meu passo de caracol por conta das vertigens e depois parar para apreciar a beleza do mar a desfazer-se lá em baixo nas rochas, é simplesmente arrebatador. E sentir o cheiro da marcela a sobressair por entre o das outras plantas de mato rasteiro ainda no esplendor da primavera recentemente  terminada. E as gotículas da maresia vicentina trazidas pelo vento fresco que sopra do Atlântico,  tão contrastantes com os 40 graus previstos para o interior alentejano. Que melhor podia eu desejar nestes dias escaldantes de mini férias? Actualmente já não se podem fazer trilhos muito longos no topo das falésias e ainda bem, não  só  por questões de segurança  mas também para preservação da flora rasteira. Foi com satisfação que verifiquei que são frequentes os passadiços e as escadas de madeira que nos encaminham para miradouros estrategicamente colocados ao longo de toda a Costa Vicentina. Sei que irei voltar novamente.

Manuela Santos



terça-feira, 28 de junho de 2016

DESLUMBRAMENTO NAS MONTANHAS ROCHOSAS DO CANADÁ
Emerald Lake

Harmonia é o conceito que, a meu ver, define muito bem o Canadá. Multiculturalismo, sociedade bastante organizada e comunhão perfeita com a natureza que aqui é bastante generosa e nos abraça com todo o seu esplendor. Um percurso deslumbrante, iniciado em  Calgary (Estado de Alberta), para terminar em Vancouver, na costa do Pacífico, veio confirmar a justa relação do canadiano com o meio ambiente. Um percurso marcado a verde pela grandiosidade de dois magníficos parques naturais, o Banff  National Park que acolhe o espectacular Lake Louise e ainda o Jasper National Park, ambos situados na fronteira do  Estado de British Columbia. São parques como estes que ilustram muito bem toda a beleza das Montanhas Rochosas do Canadá (Canadian Rockies) e  que, ao atravessá-los, me fizeram saltar memórias da infância de quando viajava através das paisagens de postais ilustrados ou das estampas de caixas de bombons. Admirar os glaciares, os lagos a embelezarem as gigantescas cordilheiras graníticas, florestas verdejantes sem sinais de incêndios ou animais que se deixaram observar pelos viajantes, foi a concretização de um sonho antigo que me deixou completamente emocionada.

Durante todo o nosso percurso fomos, constantemente, surpreendidos pelos quilométricos comboios que penetravam nas montanhas para logo aparecerem empoleirados em altíssimas pontes, lembrando-nos da presença humana, não fôssemos nós pensar que estávamos no paraíso. A dimensão  do campo visual e a imponência da paisagem eram de tal ordem que estes longos comboios pareciam, simplesmente, brinquedo de criança. Chegámos a pequenos centros urbanos respeitadores dos espaços naturais onde estão inseridos, como é o caso das localidades de Jasper e de Banff, ambas recheadas de actividades recreativas de montanha, entre elas a possibilidade de fazer trekking para observação de animais selvagens como o famoso urso preto, o caribu ou o alce.

Pelas Montanhas Rochosas, saltámos de um parque natural para outro através de estradas largas e muito bem mantidas, de trânsito soberbamente disciplinado, onde até os trucks de cores garridas e lustrosas pareciam concorrer numa dança caprichosa. Constantemente acompanhados por cordilheiras de cumes branqueados pela persistência da neve e ornamentadas de coníferas na sua base, a cada curva da estrada, éramos surpreendidos pelas suas diferentes perspectivas que se sucediam numa sequência fílmica. Ao nosso redor continuava a dança dos trucks ao som de música tradicional dos Povos das Primeiras Nações, designação politicamente correcta quando os canadianos se referem aos índios. Tínhamos comprado um CD que veio mesmo a propósito ouvir. Completamente embriagados com a paisagem, ainda fomos presenteados com as aparições de ursos mais afoitos que se aproximaram da berma da estrada, alheios ao trânsito que por ela passava, ou então com o retrato de família  que um conjunto de alces e suas crias, banhando-se num charco ali tão perto, ofereceram aos viajantes como nós menos habituados a estas manifestações familiares. Frequentemente, a sinalética indicadora de pontos de interesse convidava-nos a parar. Sempre o fizemos em pequenos parques de estacionamento harmoniosos, rigorosamente limpos, respeitadores do meio ambiente. Neles encontrámos estudantes universitários que estavam em férias, fazendo reparações nos equipamentos públicos. Penetrando pelos trilhos, escutando os ruídos da floresta, chegámos a lugares de cortar a respiração pela provocação de todos os nossos sentidos. As montanhas que admirámos da estrada, vistas mais de perto, revelaram cascatas de águas turbulentas, lagos azul turquesa ou verde esmeralda que pareciam ser o regaço das próprias montanhas que vaidosamente se reflectiam nas suas águas. O degelo dos glaciares provoca estas belíssimas tonalidades e os lagos Louise, Peyto e Emerald são um bom exemplo disso. Junto a estes foi possível caminhar, tropeçando, amiúde, com esquilos brincalhões e inofensivos e avistar, novamente, os corpulentos alces prontos para a fotografia.  

Viajar pelas estradas desta zona do Canadá não é coisa rápida, mas não pelo excesso de trânsito nem tão pouco pelas más condições do asfalto. Na realidade, as solicitações são tantas estrada afora, os convites que a natureza nos faz são tão apelativos que podemos levar um dia inteiro para fazer uma curtíssima distância.