Kasbahs, a Poesia da Terra
Marrocos e as suas incríveis Kasbahs
há muito tempo que alimentavam os nossos projectos de viagem. Rumámos no seu
encalço, até ao sul do país, animados com a perspectiva de, finalmente, podermos
admirar essas enigmáticas casas acasteladas, construídas em adobe, da cor da
terra como se esta se tivesse erguido num devaneio poético. Que segredos
encerram? Certamente memórias das emoções, dos dramas familiares, das vidas de
sobrevivência numa terra onde o sol é implacável.
Partindo de Marraquexe onde alugámos
carro depois de um regateio apaixonado, aventurámo-nos pela estrada que nos levaria por Ouarzazate até Zagora, passando
depois a Tinfou e Merzouga, bem próximas da fronteira argelina e já às portas
do deserto, para voltarmos novamente a Ouarzazate com Erfoud pelo caminho. Um
percurso quase circular, onde as Kasbahs nos vão surpreendendo ao virar a curva
da estrada ou então sobressaindo por entre o casario.
Depois da travessia lenta das
montanhas do Atlas, o nosso pasmo inicia-se com o admirável Aït Ben Haddou. Esta Ksar, composta por várias
Kasbahs circundadas por muralha, empoleiradas numa colina com as palmeiras e o
rio a seus pés, é simplesmente deslumbrante. Começámos aqui a aprender um pouco
sobre a vida dos antigos berberes. Que construíram estas casas tipo fortalezas,
para se abrigarem não só de um clima demasiado agreste, como também para se
defenderem dos nómadas do deserto que, no final das colheitas, invadiam os
oásis onde, quase sempre, ficam as Kasbahs.
É estrada afora que fomos apreciando
a simplicidade da vida actual do povo berbere. Nos povoados mais ou menos
pequenos, a terra e o pó tudo invadem. Não há ruas empedradas. As casas térreas
são cor de terra e as janelas escassas. É preciso virar as costas ao sol, criar
ambientes escuros e mais frescos no seu interior. As aldeias misturam-se com a
aridez e monotonia da paisagem, parece não ser possível a vida ali, mas as
mulheres de trajes muito coloridos e rostos expressivos ou a fila de crianças
muito pequenas, todas alinhadinhas nas suas túnicas brancas, caminhando em
direcção a uma pequena madraça, são belíssimos sinais da adaptação do homem ao
meio ambiente. A mesquita, caiada ou pintada, marca sempre presença em qualquer
lugar por mais pequeno que seja.
Ao encontro das emblemáticas Kasbahs, percorrendo regiões extensas e áridas pela
proximidade do deserto e onde a ilusão da miragem acontece, fomos surpreendidos
com a beleza dos oásis que ultrapassaram, largamente, a ideia que tínhamos
desta realidade. É assombrosa a dimensão do oásis do vale do rio Drâa. Subimos
a uma pequena colina à entrada de Agdz para desfrutar de uma paisagem de beleza
sem igual. De um lado a cidade rosada quase da cor dos penhascos envolventes,
do outro, um extenso mar verde embutido no ocre num contraste a perder de
vista. O imenso palmeiral que ladeia o rio é uma bênção para a sobrevivência
das populações. Nele pratica-se uma agricultura intensiva: produtos hortícolas junto
ao solo e, emergindo por entre estes, crescem as árvores de fruto, todos
protegidos do sol pelas palmeiras de tâmaras que constituem grande fonte de
riqueza.
Mas se há oásis, também há dunas por
perto e aí fomos nós até Merzouga. Ficámos alojados no Auberge Café du Sud,
implantado nas areias do deserto que se estendem até ali. Um saboroso chá de
menta fez-nos as boas vindas bem ao jeito marroquino. Esperavam-nos as dunas de
Erg Chebbi, assim como o guia, um tuaregue, agora como marinheiro em terra
fazendo trabalhos para o turista, que nos levou a mergulhar num mar de areia
que não é senão um grão nesse imenso deserto do Saara.
Há sempre, em nós, uma ideia
romântica sobre as dunas ao pôr do sol que as tinge de uma tonalidade acobreada,
excelente para uma fotografia. Mas o mais impressionante para mim, nesta
pequena experiência, foi o silêncio absoluto que pairava sobre as enormes
massas de areia, de curvas elegantemente suaves, produzidas pelo vento que, na
hora deste encontro mágico, as abandonou completamente. Os dromedários,
deitados nas areias e aguardando a sua carga para nos levar de volta, pareciam
cúmplices, respeitando o momento de acalmia, de paz, de reconciliação.

As dunas ficaram para trás, mas não a
aridez da paisagem nesta rota das Kasbahs. Sempre as fomos avistando aqui e
acolá como marcos da cultura de um povo um pouco reservado ao primeiro contacto
e nem sempre falando bem o francês, mas, no entanto, afável. Foi com a Kasbah
de Amerhidil, em Skoura, de grandes dimensões e interesse cultural que
encerrámos uma rota de encanto, de admiração pelas obras que o homem sempre
consegue construir mesmo em condições bastante adversas.
Manuela Santos
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