MAURÍCIAS, UMAS FÉRIAS REPOUSANTES
Flic-en-Flac |
Era domingo, ainda a manhã se espreguiçava lentamente
enquanto eu, pouco liberta do último sono, ia observando pela janela a
passarada que rodopiava ao redor dos canteiros da rua. Aproveitavam uma suave
temperatura matinal e os manjares que os arbustos, em estado primaveril, lhes
ofereciam. Enlevada com os seus cantos, rapidamente o meu pensamento voou e me
arrastou para a recordação da viagem que fizemos às Maurícias. Não se pode
dizer que foi por acaso, já que este meu estado de tranquilidade ao observar os
pardalitos e os melros, foi semelhante ao que ali senti, enquanto estivemos na
praia Flic-en-Flac. Por lá, logo pela manhã, o mar tranquilo e de temperatura
deliciosa, 25°, convidava-me ao mergulho e a umas boas braçadas, para logo me
estender ao sol junto ao jardim do resort. Uma temperatura do ar idêntica à do
mar, uma vez que fomos em Julho, na estação mais fresca e seca, criaram um
ambiente calmo, sem o calor exasperante,
melhor também para as aves que por ali andavam. Era na vegetação exótica do
jardim estendido até às areias da praia que pássaros até então para mim
desconhecidos, se mostravam exuberantemente belos. Nunca tinha tido
oportunidade de me encontrar numa praia onde as aves se abeiravam de mim
completamente despreocupadas. Não podia ser melhor para recuperar energias.
Porém, nos primeiros dias de veraneio, andei um pouco apreensiva porque
descobri que repartíamos o apartamento com várias lagartixas de cores vivas em
vermelhos e amarelos e que, durante a noite, faziam um ruído muito estranho
quando se sentiam ameaçadas. Resolvemos deixá-las em paz e acabei por me
habituar à sua companhia.
Na opção de passarmos um curto período de férias nas
Ilhas Maurícias, pesou o facto de sentirmos necessidade de férias repousantes,
num hotel do tipo tudo incluído, para colocar a leitura em dia, dar uns belos
mergulhos e desfrutar de uma praia paradisíaca com uma paisagem de encher o
olho. Não encontrámos uma floresta densa a espraiar-se pelas areias como
imaginara, mas uma praia igualmente bela, tendo como cenário uma pequena
montanha em verde viçoso cuja imagem se reflectia serenamente nas águas mornas
e calmas da baía. A paisagem da ilha, pelo menos nos poucos lugares visitados,
estava demasiado humanizada com o cultivo de cana-de-açúcar que substituiu a
flora nativa e, também, com os vários empreendimentos hoteleiros que servem o
turismo de grande impacto na economia local. Julgo, no entanto, que perdemos,
algures, pontos de interesse e paisagens um pouco mais exuberantes. Os dias
iniciais permitiram-nos repousar e recuperar de uma viagem de treze horas,
saborear a belíssima gastronomia multicultural, penso que lhe poderei chamar
assim, pois é uma combinação perfeita da cozinha crioula, francesa, indiana e
também chinesa. Foi o resultado da tutela a que o território esteve sujeito ao
qual se juntou a forte influência da imigração indiana e alguma chinesa. Estas
culturas vieram acrescentar um toque especial à confecção da comida dotando-a
de sabores exóticos, mas equilibrados para quem não gostar de comida demasiado
picante.
Monte Le Morne |
Viajar num sistema de tudo incluído obriga-nos a ficar
fixos num hotel uma vez que as refeições estão pagas e qualquer saída para fora
acrescenta despesas, contudo perde-se o contacto com os locais o que é pouco
interessante. Tínhamos que ir a algum lado! Ficou decidido! Iríamos até um
local mais a sul, verificar se haveria um bom spot para prática de windsurf. O
Luís andava entusiasmado com a modalidade e tinha lido que havia um perto de Le
Morne. Apanhámos um autocarro muito velho como há muito não se vê em Portugal, com um barulho de latas a bater
por todo o lado e rodeados de uma população
miscigenada. Negros, mulatos, indianos. Sentimo-nos contrastantes e
isolados na nossa pele branca, mas todos
os nossos companheiros de viagem não deram a isso a menor importância. Com
indicação do cobrador a quem tínhamos solicitado previamente que nos indicasse
o local onde deveríamos sair, já
tínhamos abandonado a estrada principal cerca de dois ou três quilómetros
antes, lá fomos dar seguimento ao propósito desta nossa viagem. Ninguém mais saiu além de nós os três. Só no fim do
dia, de regresso ao hotel, percebemos que o autocarro se tinha desviado
especialmente para nos largar. Fiquei com pena de não ter agradecido a
gentileza que veio confirmar a já observada hospitalidade do povo maurício.
Chegados à zona esperada, deparámo-nos com uma montanha de forma quase cúbica,
o monte Le Morne, classificado como Património da Humanidade pela UNESCO. Numa
região praticamente plana, esta montanha eleva-se majestosamente para depois se
debruçar, quase a pique, sobre as praias qual sentinela vigilante contra
piratas há muito desaparecidos. Na realidade a montanha serviu de refúgio a
escravos foragidos que se esconderam nas suas grutas e, por isso, tornou-se um
símbolo da luta pela liberdade. A praia procurada apresentava um mar demasiado
revolto, com ventos agressivos e os windsurfistas estavam em terra. Nada a
fazer! Não havendo muito mais para ver por ali além do esplêndido Le Morne,
iniciámos o regresso e fomos apanhar novamente o autocarro. Para isso foi preciso caminhar ainda dois ou três
quilómetros a pé.
A viagem em transporte público, neste dia, revelou-se bastante interessante pois permitiu-nos observar comportamentos e assistir a pequenas peripécias. Lembro-me do episódio do negro de estatura muito baixa e, estranhamente, de traços asiáticos, bêbado, que criou algum conflito com o colega de banco onde iam sentados. A zaragata rapidamente foi desfeita devido à perícia e civismo de um passageiro e do próprio cobrador de bilhetes. Fiquei bem impressionada com o modo como o fizeram. Creio que em Portugal não veria o respeito com que o negro foi tratado. Já quase no fim do nosso percurso, entrou uma família, pai e mãe com dois filhos em idades entre os seis e oito anos. De traje indiano e com ar domingueiro, se é que aqui fica bem dizê-lo uma vez que o conceito não se aplica a esta cultura, o que é facto é que iam de roupas engomadas, penteados com brilhantina e os rostos completamente cobertos por uma pasta branca. Certamente iriam para alguma cerimónia. Exalavam um odor muito forte a um patchouli qualquer que se espalhou pelo ar intensamente. Comecei a sentir a ponta da língua picar e a minha sorte foi estarmos a chegar ao local de descida. Penso que pela primeira vez cuspi para o chão de tanta saliva acumulada. O autocarro deixou-nos numa paragem da estrada principal, ainda longe da povoação e era preciso transporte para o hotel. Reparámos que não existiam ali outras paragens e muitas pessoas estavam de dedo estendido para a boleia. Fizemos o mesmo. Logo um homem ainda jovem, ex-emigrante em França como nos confidenciou, com um pequeno jipe provavelmente comprado com os dinheiritos que por lá ganhou, se prontificou a levar-nos até à porta do hotel. Não quis nada em troca mas percebi pela alegria estampada no rosto que a possibilidade de contar a sua história e também conhecer a nossa, era o suficiente. Ficou até impressionado por sermos portugueses, da terra do Figo, segundo a sua expressão. Não estranhámos pois já era habitual, em qualquer outro país, ouvirmos esta frase e percebermos que o jogador continua a ser um ídolo.
A viagem em transporte público, neste dia, revelou-se bastante interessante pois permitiu-nos observar comportamentos e assistir a pequenas peripécias. Lembro-me do episódio do negro de estatura muito baixa e, estranhamente, de traços asiáticos, bêbado, que criou algum conflito com o colega de banco onde iam sentados. A zaragata rapidamente foi desfeita devido à perícia e civismo de um passageiro e do próprio cobrador de bilhetes. Fiquei bem impressionada com o modo como o fizeram. Creio que em Portugal não veria o respeito com que o negro foi tratado. Já quase no fim do nosso percurso, entrou uma família, pai e mãe com dois filhos em idades entre os seis e oito anos. De traje indiano e com ar domingueiro, se é que aqui fica bem dizê-lo uma vez que o conceito não se aplica a esta cultura, o que é facto é que iam de roupas engomadas, penteados com brilhantina e os rostos completamente cobertos por uma pasta branca. Certamente iriam para alguma cerimónia. Exalavam um odor muito forte a um patchouli qualquer que se espalhou pelo ar intensamente. Comecei a sentir a ponta da língua picar e a minha sorte foi estarmos a chegar ao local de descida. Penso que pela primeira vez cuspi para o chão de tanta saliva acumulada. O autocarro deixou-nos numa paragem da estrada principal, ainda longe da povoação e era preciso transporte para o hotel. Reparámos que não existiam ali outras paragens e muitas pessoas estavam de dedo estendido para a boleia. Fizemos o mesmo. Logo um homem ainda jovem, ex-emigrante em França como nos confidenciou, com um pequeno jipe provavelmente comprado com os dinheiritos que por lá ganhou, se prontificou a levar-nos até à porta do hotel. Não quis nada em troca mas percebi pela alegria estampada no rosto que a possibilidade de contar a sua história e também conhecer a nossa, era o suficiente. Ficou até impressionado por sermos portugueses, da terra do Figo, segundo a sua expressão. Não estranhámos pois já era habitual, em qualquer outro país, ouvirmos esta frase e percebermos que o jogador continua a ser um ídolo.
As férias estavam a chegar ao fim quando apareceu na
praia o Antoine. Tinha setenta anos, era negro e franzino, este pescador de
pérolas que agora se dedicava à sua venda em adornos femininos. Já não mergulhava em apneia, quem o fazia então, era
o filho. Mostrou-se orgulhoso da sua profissão e trazia consigo o seu
portefólio. Jornais franceses e ingleses com reportagens sobre a sua vida e
ainda muitas fotografias, demonstravam
uma carreira longa. Antoine acabou por nos confessar que era português e logo
disse que o seu nome verdadeiro era António, mas todos lhe chamavam
Antoine. Falava francês, mas ainda sabia
algumas palavras na língua lusa. Nas ilhas Maurícias o francês e o inglês
coexistem a par do crioulo de base lexical francesa.
Flic-en-Flac |
Manuela
Santos
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